quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Cúmplice

Naquela manhã quente e oculta por neblina, pesavam-lhe os olhos, pesava-lhe a vida. Sentia a alma a afogar-se em lágrimas que se soltavam mais perspicazes a cada lembrança. Umas horas antes, o tempo tinha parado debaixo de um céu áureo e cintilante. Ainda podia sentir o corpo húmido, os lábios quentes, a respiração ofegante e aquele olhar cristalino por onde tantas vezes se perdia. Perdia-se no olhar e no prazer agitado que se convertia em silêncio, que se convertia em paz. E, pela primeira vez, o silêncio tinha um peso cúmplice capaz de dizer mais do que qualquer palavra que pudesse ser arrancada. Estavam escondidos de tudo entre nada, escondidos de nada entre tudo - todos os pedaços soltos pareciam, agora, encontrar o encaixe perfeito. Tão perfeito e tão fugaz. E fugaz morreu a noite, deixando sobre os ombros o peso da distância, da inexistência e da nostalgia ferida sobre o único momento em que a vida foi leve e voou.

Angra do Heroísmo, 11 de Agosto de 2011

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Encontro

Na procura rebuscada de quem procura quem não encontra, encontrei-me. Perdi-te e encontrei-me.

Voltei a perder-me na espera infinita de um dia me encontrares. Voltei a perder-me na espera infinita de um dia me encontrar.

Porque para sermos encontrados, às vezes, temos de nos deixar perder.


Angra do Heroísmo, 10 de Agosto de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Percalços inconvenientes

As únicas pessoas que guardarei no meu coração são aquelas que livres de interesses e, para além da futilidade das coisas básicas, são capazes de me fazer sorrir, de me fazer sentir bem, de me dar paz. Todas as outras serão percalços inconvenientes que, com o tempo, serão colocadas no seu devido lugar, longe de mim e de todas as minhas memórias.

Angra do Heroísmo, 5 de Agosto de 2011

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Hoje

Hoje desligo do mundo para olhá-lo de novo com o olhar inocente de uma criança, sem o complicar. Hoje desligo do mundo fútil e superficial para me ligar ao mundo despretensioso, aquele que só sentimos de pés descalços, alma nua e mente aberta. Hoje vivo mais do que nunca. Sinto o sabor das palavras e do silêncio. Escondo-me entre as sombras do dia e da noite, aquelas onde me perco e mais tarde me encontro. Hoje apetece-me, como em todos os outros dias, encontrar-me. Encontrar-te. Hoje, mais do que nunca, a vida faz sentido e apetece-me. Apetece-me agarrar o tempo que foge entre os dedos frágeis de areia. Apetece-me agarrar o sopro que desliza entre os nossos corpos nus de preconceito. Hoje não quero ouvir retinir do relógio. Hoje apetece-me ouvir apenas o bater sinfónico dos nossos corações e perder-me no nosso mundo. Hoje, mais do que nunca, aparece-me amar livremente, sem medos nem razões. Hoje, mais do que nunca, apetece-me viver.

Angra do Heroísmo, 4 de Agosto de 2011