sexta-feira, 23 de março de 2012

A borboleta que sonha


Sou feita de sonhos
De recordações do futuro
Que me fazem passar pela vida sem dar por ela
Sou feita de sonhos impossíveis
Daqueles a que estendo a mão sem os alcançar
Sonhos que me fazem ir mais além
Onde só chega quem tem a audácia de imaginar
Sou feita de sonhos reais
E até de sonhos que nunca sonhei

Sonho alto porque posso e porque quero
Porque sonhar não cansa e só quem sonha alcança
Trago na palma da mão fantasias por despir
E na alma a coragem de jamais desistir
Serei a borboleta das ilusões coloridas
Porque sonhar é leve
E só a levitar não se sente a vida a passar

Lisboa, 23 de Março de 2012

quarta-feira, 21 de março de 2012

Mundo abstrato

A noite abateu-se como um manto baço e frio
E pela rua desceu um vestido agitado
Com pregas soltas rasteiras à calçada
De saltos altos numa dança sem destino
Movia-se num corpo ocioso e sem jeito
De cigarrilha entre os lábios e mãos livres
Subiu-lhe de rompante as sombras donas da cidade
E uma fresta de luz denunciou duas silhuetas em pecado
Fez da parede o seu amparo
Para escorregar o olhar sobre o vidro embaciado
O som abafado aqueceu-lhe o corpo
E colocou-lhe a saliva na boca
Saltou fora a beata e no alto do seu ego
Foi entrando, despindo e penetrando
Um mundo que de tão vazio era abstrato

Lisboa, 21 de Março de 2012

A vontade da mulher

Cerrei as ancas num sono profundo
De costas voltadas para o teu mundo
Não há sismo que me estremeça
Nem vulcão que me aqueça
Não há mão que me agarre
Nem desejo que me amarre
Ao que resta de ti
Ao que não resta de nós

Lisboa, 21 de Março de 2012

sexta-feira, 16 de março de 2012

Homem só

Os mantos que se cruzam num campo despenteado albergam ao fundo um tecto a
arejar e portadas ansiosas por falar. Entre quatro paredes a desfalecer está alguém
de alma contorcida e roupa rasgada. O espaço que lhe pertence foi-lhe dado pela
ilusão e o autêntico é o refúgio matreiro que o denuncia aos olhos de quem por
ali passa. Açoitam feridas num coração aprisionado num corpo só e livre e o espaço
já criado, esse nada que ele sempre estimou, é afinal um sonho que o homem
nunca sonhou.

Lisboa, 16 de Março de 2012




quarta-feira, 7 de março de 2012

Enamorada

Fui semeando pelo chão a roupa inume e molhada
Para desaparecer numa nuvem de vapor
O espelho baço não me enxerga
Nem me deixa mirar as curvas deste corpo
Por onde passeio as mãos e me sinto húmida
A trémula chama vermelha de fogo aceso
Incendeia-me de sombras e ressalta o teu espírito
Fumega a água fervilhante na selha onde mergulho
E no negro desta labareda enamorada
Vejo-nos desnudos num quadro ríspido
Pintando por salpicos de suor e gemidos poderosos

Lisboa, 7 de Março de 2012



sábado, 3 de março de 2012

Frestas

Há uma brisa leve que trespassa o meu corpo na lentidão das horas que desejo terem fim, uma amena sensação que me abraça e aperta junto ao tempo que, sem tempo, delimita o inicio e o fim, marca o percurso deste atraso apressado que me tira o ar e a razão, que me atira para o chão num farrapo desbotado de alma evaporada em rastos de fumo… E fico. Fico até que o pó me escoe entre as frestas feridas do sobrado que me susteve corroída e de fôlego acorrentado.

Lisboa, 4 de Março de 2012